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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O REI DA INGLATERRA E O SENHOR DE SEU DESTINO



O DISCURSO DO REI
(The King's Speech, 2010)

Direção: Tom Hooper
 
 Colin Firth
 Geoffrey Rush
 Helena Bohan Carter

 Embora tido por muitos dos meus colegas como um filme muito "certinho", com "cara de Oscar", não vejo em nada disso um motivo que desmereça-o. O DISCURSO DO REI pode até parecer um estória clichê, mas, até aí, dizer que um filme é clichê nos dias de hoje é cair na vala comum. E se a premissa não traga nada do que já não tenhámos visto, a direção correta e moderada - no melhor dos sentidos - de Tom Hooper e as atuações poderosas de Firth e Rush criam um belíssimo espetáculo, onde a amizade rompe barreiras sociais e traumáticas.

   O roteiro baseia-se na história real do rei George VI, que era gago, e na sua relação com um homem chamado Lionel Logue, um terapeuta da voz. Numa epoca em que as transmissões de rádio levavam ao povo toda a notícia e os decretos oficiais, e, que, a Europa estava à beira do caos que foi a Segunda Guerra, um rei gago, certamente, não geraria muita confiança em seus súditos e em suas tropas. Longe do melodrama raso, o filme de Hooper desenvolve muito bem seus personagens, seja nas atuações, no roteiro e nos detalhes da produção - como a direção de arte e figurino. Muito bem construído, com pouquíssimas cenas externas, mas, que valem muito a pena - o passeio de Logue com o rei por uma praça britânica, histórica, numa manhã brumosa, o sol ainda tímido, e inúmeros figurantes, desenvolvendo-se num crescendo musical, evoluindo até uma carga dramática incrível... ufff... Para os que criticaram o Oscar de melhor diretor para Hooper, com certeza, não viram essa cena... - o filme foca justamente a relação destes dois homens tão diferentes.
 George, nascido na família real, carrega desde pequeno o fardo de não poder falhar e mais do que isso não poder sair dos padrões ditos "corretos". Canhoto, foi obrigado a escrever com mão direita, com deficência leve nas pernas, aplicavam-lhe talas para "indireitar-lhe", sendo sempre caçoado pelo irmão mais velho e o próprio pai. George aceita sua função de mero coadjuvante, após a morte de seu pai, já que o direito do trono é de seu irmão mais velho Edward, porém, sua consciência é abalada ao ver que o irmão torna-se num péssimo rei, alheio aos problemas de Estado e da situação crítica em que a Europa se encontra. Sabendo que a decisão mais acertiva é a de reclamar o trono para si, mas, com a insegurança de que sua deficiência na fala faça-o falhar. 

 Lionel já é um homem prático, de origem muito pobre. Tentou ser ator, mas fracassou. Autodidata, tornou-se no melhor terapeuta da voz da Bretanha, usando técnicas teatrais em rapazes traumatizados com a guerra. Pai e marido dedicado, nota-se que os próprios filhos e a esposa não lhe enxergam um futuro promissor.

 O embate entre esses dois será colossal, já que mesmo sendo da família real George só será admitido como paciente por Logue se seguir as regras de seu "reino", ou seja, seu escritório - um excelente trabalho da direção de arte de Netty Chapman, o mesmo responsável por outros trabalhos brilhantes em filmes como ORGULHO E PRECONCEITO, DESEJO E REPARAÇÃO e O BRILHO DE UMA PAIXÃO - será custosamente e aos poucos que Logue conseguirá penetrar nas raízes do problema de George, afrontando-o muitas vezes, com seus métodos nada convencionais e que de certa forma contradizem toda a educação ritualística (que visa muito mais evitar o embaraço, do que satisfação) a qual George recebeu durante toda a vida.

 Não posso deixar de mencionar a contribuição do compositor Alexandre Desplat, que, infelizmente, por mera politicagem, não teve indicada sua trilha para o filme O ESCRITOR FATASMA (muito superior à esta), mas, que concede um força melódica à trama sem excessos. O uso do segundo movimento da Sinfonia nº 7 para o discurso real também é genial!

 Colin Firth está fantástico, após trabalhos incríveis como em O DIREITO DE AMAR e BONS COSTUMES, é finalmente laureado com o Oscar. Acredito que o uso da voz na atuação é tudo, o finado Heath Ledger que o diga!... O papel de rei gago pode ser tido como uma alavanca para prêmios, considerando-se que este já seja um personagem interessante por natureza, porém, nas mãos de um ator qualquer, tal papel tornaria-se facilmente numa caricatura unidimensional. Não sentir aflição ao ver George não conseguir terminar uma frase, ainda assim, o espectador não duvida por um segundo de que aquele homem é gago mesmo e que alguma coisa muito traumática contribuiu-lhe para a gagueira.

  Um fato curioso está numa cena em que o rei George VI, reunido com rainha Elizabeth e as princesas, assistem ao cine-jornal e veem Hitler conclamando os alemães. Uma das princesinhas pergunta ao pai: "O que ele esta dizendo, papai?", o rei é sincero em responder "Não sei! mas o que quer que seja, ele está falando muito bem". É frustrante notar que após tantos exemplos na História as pessoas ainda se deixam levar por discursos inflamados proferidos por idiotas, seja na política, seja nas reuniões coorporativas, seja nos plebicitos "engajados" de certas faculdades... 


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MAKING OF:

 Quando vi este filme era num sábado, ainda de férias, após ter sido chutado pela enésima vez por uma garota intelectual. Foi foda! busquei refúgio nos filmes. Fiz uma maratona que começou na Rua Augusta e terminou na Pompéia. Contabilizei quatro filmes num só dia: BRAVURA INDÔMITA, O DISCURSO DO REI, DESCONHECIDO e 127 HORAS. Não foi necessário, no entanto, nenhuma gota de café para aguentar tudo isso, afinal, tudo o que eu mais queria era desfalecer mesmo... É engraçado como este filme me fez voltar aos tempos de diácono. Os excercícios vocais, as multidões prontas para beber cada palavra sua… multidões que não fazem ideia da sua incapacidade de liderá-las, mesmo assim, ávidas para que alguém diga-lhes o que fazer, como agir, para onde ir. Embora aplicado aos meus estudos, à epoca, eu tive grandes dificuldades em vencer a barreira de minha educação indouta, meus erros comuns e básicos em discursos e homilias - já que eu crescera aprendendo a falar "errado". Não é agradável para mi lembrar de meus tempos no seminário, mas, orgulho-me de - se não fui coroado rei da Inglaterra - coroei-me senhor de meu destino. Até o limite que permite-me o Universo, claro!…
 

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