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terça-feira, 10 de maio de 2011

UM SILÊNCIO INCONFORTÁVEL



REENCONTRANDO A FELICIDADE
(The Rabbit Hole, 2010)


Uma mulher cuida de seu jardim. Terra. Flores. Adubo. Mãos sujas. No rosto uma determinação grave, velando um cansaço, uma insatisfação… Uma mulher que carrega no peito uma dor de morte. Mas, se você entrou na sala de cinema sem ler a sinopse não terá isso jogado contra você de forma covarde. Esta aí o grande mérito do filme! o roteiro de David Lindsay-Abaire, baseado em sua peça, desenrola-se com naturalidade. Nunca apelando para os recursos do melodrama. Honesto, não tenta forçar o espectador às lágrimas (elas fluírão naturalmente). É como adentrar uma sala de desconhecidos, nota-se que há algo de errado, existe dor no ambiente, mas, o espectador conhecerá os motivos e as cicatrizes indeléveis, aos poucos. A trama inicia-se quando já fazem oito meses que o filho do casal - Becca e Howie - morreu atropelado. Mas o roteirista não coloca o casal logo de cara falando sobre a morte do filho. Há uma real preocupação de desenvolvimento e apresentação dos personagens, sem apressar o filme. É muito tangível o distanciamento do casal. Como torna-se visível as formas díspares que cada um lida com a dor da perda: Becca cria alternativas para apagar o filho da memória, pouco a pouco, livrando-se das coisas do garoto, evitando o assunto; Howie arrasta a mulher para um encontro de terapia em grupo, para pessoas que também perderam seus filhos, ele assiste todas as noites vídeos do filme no celular… Entretanto, fica claro desde o início que é justamente Becca quem mais sofre. Enquanto Howie tem uma dor passiva, enlutada; Becca é caustica, irascível, impulsiva, agitada.

 
Com diálogos preciosos e muito bem construídos - afinal o filme é baseado numa peça teatral - o diretor John Cameron Mitchell é muito seguro, criando tomadas contemplativas e pesarosas. O luto. A solidão. A perda. A desolação emocional impressa nas imagens não torna em nada o filme arrastado ou maçante. O esmero em aparar os exageros das atuações - tão comuns em histórias como esta - é louvável, Mitchell cuida de seus atores/personagens, resguarda-os. A edição flui enigmática, absorvendo o espectador sem confundí-lo: intriga. Enquanto a manufatura de uma história em quadrinhos é feita os personagens evoluem, transformam-se, digladiam-se, choram, sorriem - sim, pois o roteiro encontra um equilíbrio tênue: costurando cenas tragicômicas numa história de luto, culpa e dor. No segundo ato a trama praticamente divide-se, Becca e Howie saturados um do outro terão que encontrar saídas para o luto: Becca secretamente passa a encontrar-se com o rapaz que atropelou seu filho, por acidente e não por irresponsabilidade, amobos carregam o peso da culpa e será em conversas no parque, sobre universos paralelos e quadrinhos que ambos terão a chance do auto-perdão; Howie passa a manter uma amizade juvenil com Gaby (Sandra Oh) , membra do grupo de terapia, onde os dois saem para fumar maconha, jogar boliche e divertir-se, uma relação que pode pôr em xeque o amor de Howie por Becca…

As explosões de Becca com a irmã e mãe (Dianne Wiest, em poderosa atuação), são viscerais. Kidman está excelente, comedida e forte. Muda ou esbravejante, expôem um coração que sofre. Wiest é Nat: uma mãe que teve de sofrer a morte do filho viciado e do neto atropelado, vê a filha e o genro destruindo-se. Nat é o equilíbrio maternal, a sabedoria que só uma mãe ferida e cicatrizada pode ter. As melhores cenas do filmes são, indubitávelmente, protagonizadas por ela. Conversas no porão, separações das roupas do finado neto… olhares e expressões, ela diz tudo sem precisar dizer. Eckhart entrega um Howie perdido, sente a falta do filho, apaixonado pela esposa, quer "curá-la" à sua maneira, quer resgatar uma família que não mais existe. Sua coragem, amor e determinação serão testadas mais do que todos os personagens. Uma grande revelação também está no jovem Miles Teller, que vive o adolescente Jason que trás a culpa e o medo estampados no rosto. 

A trilha  composta por Anton Sanko é circular, minimalista. Entonações tímidas que não se sobrepoem às imagens - como é costume nos melodramas - mas caminha vagarosa com o filme. Introduz com leveza, assim como despede-se com carinho. 

Não vou estragar mais a experiência, mas, apenas adiante que este REENCONTRANDO A FELICIDADE - título nacional horrível, que não condiz, como de costume, em nada com a proposta do filme - está no hall dos melhores encerramentos. Honesto, sóbrio e fluído, como uma reticência (…).


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MAKING OF:

Curioso como as coisas acontecem na vida real. Meu sócio, Bruno, e eu combináramos de ver um filme ruim pipoca (VELOZES E FURIOSOS 5), só para aliviar a tensão depois de um domingo de trabalho. Mas, foi nos demorando junto de nossos amigos, cantando "Raindrops keeps falling down on my head", do Burt Bacharah, que a sessões de VELOZES esgotaram-se e nos vimos, à contragosto, "obrigados" a ver o "filme com a Nicole". Não tínhamos ouvido nada sobre ele - nem o fato da atriz ter sido indicada ao Oscar por ele nós lembrávamos! - mas já havíamos definido ir ao cinema naquela noite. Jantamos. Falamos sobre roteiros, sobre tecnologia celular, sobre McDonald's ou Burger King comendo All Parmegiana, sobre amor impossível (o meu) e possível (o dele), sobre a distância dolorosa da família que mora longe, sobre sonhos e planos. Adentramos a sala desconfiados, saímos dela extasiados. Caminhamos. "Que final incrível! Que ótima surpresa! Vou baixar a trilha!" - Acompanhei-o até seu apartamento - concordamos com a inclusão de um  novo sócio e o arco dramático de nosso grande "empreendimento"  - faturei uma Heineken. Bruno, mermão! não por acaso… Voltei à pé pra casa, com os pés gemendo e o coração encolhido, como de costume.


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